Francisco - o apaixonado de deus

Il Cantico del Sole (Cantico della Creature)
di Francesco di Assisi
Assisi Codex

Altissimu onnipotente bon signore. tue so le laude la gloria e l onore et onne benedictione. Ad te solo altissimo se konfano. et nullu homo ene dignu te mentouare.
Laudato sie mi signore cum tucte le tue creature spetialmente messor lo frate sole. lo quale iorno et allumini per loi. Et ellu e bellu e radiante cum grande splendore. de te altissimo porta significatione.
Laudato si mi signore per sora luna e le stelle. in celu l ai formate et pretiose et belle.
Laudato si mi signore per frate uento et per aere et nubilo et sereno et onne tempo. per lo quale a le tue creature dai sustentamento.
Laudato si mi signore per sor acqua. la quale e multo utile et humile et pretiosa. et casta.
Laudato si mi signore per per frate focu. per lo quale ennallumini la nocte. ed ello e bello et iucundo et robusto et forte.
Laudato si mi signore per sora nostra matre terra. la quale ne sustenta et gouerna. et produce diuersi fructi con coloriti fiore et herba.
Laudato si mi signore per quelli ke perdonano per lo tue amore. et sostengo infirmitate et tribulatione. beati quelli ke l sosterranno in pace. ka da te altissimo sirano incoronati.
Laudato si mi signore per sora nostra morte corporale. da la quale nulla homo uiuente po skappare. guai a cquelli ke morrano ne le peccata mortali. beati quelli ke trouara ne le tue sanctissime uoluntati ka la morte secunda nol farra male.
Laudate et benedicete mi signore et rengratiate et seruiteli cum grande humilitate.


Michele Faloci Pulignani (ed.). Il Cantico del Sole di San Francesco di Assisi. Foligno: Tipografia di Pieter Sgariglia, 1888, pp. 10-11.disponibilizado por Webster University - http://www.webster.edu/~barrettb/cantico.htm


No final do século XII, a Europa vive tempos conturbados. É o tempo das cruzadas, das guerras de religião, conquista e reconquista, que hão de levar à emergência de conjuntos territoriais mais estáveis, que serão a base das modernas nações europeias.
Perante as incertezas da época, os espíritos agitam-se, angustiam-se e entregam-se à superstição. Surgem visionários, eremitas e pregadores que agitam a ameaça da vingança do deus castigador sobre a cabeça da humanidade entregue ao pecado. É também o tempo das heresias: cátaros, valdesianos e outros, sobre os quais cairá pesada a mão temporal do papa.
Perante a precariedade da vida, breve, sofredora, violenta, aposta-se mais na salvação da alma. Procura-se o refúgio nos claustros dos mosteiros, onde também por esta época começam a nascer as primeiras universidades.
Em 1181 nasce na cidade de Assis o jovem Francesco di Bernardonne, filho do próspero comerciante Pietro di Bernardone. Francisco tem acesso a uma educação cuidada e aprende diversas línguas. Leva a vida de um normal jovem de boas famílias, entre os estudos e o convívio com os amigos. Sonha, tal como eles, com a glória das armas e envolve-se na defesa da sua comuna contra a rival Perugia, o que o há-de levar a ser feito prisioneiro na batalha da Ponte San Giovanni. Regressado a Assis cerca de dois anos depois Francisco vê-se mergulhado numa profunda crise espiritual. Das suas deambulações angustiadas pelos arrebaldes da cidade virá a nascer um dos mais brilhantes movimentos de renovação do cristianismo.
Francisco dá uma nova forma à vivência da fé cristã pela valorização do sentimento. Para Francisco, a experiência de deus é uma paixão arrebatadora, que nos preenche, eleva e ilumina. As portas da comunhão com o divino estão abertas a todos os homens que decidam entregar-se à doçura de um sentimento profundo de harmonia, de felicidade, de amor. Trata-se não tanto um deus entendido, mas um deus sentido.
Toda a criação partilha deste sentimento porque tem a mesma origem e a mesma condição contingente. O divino impregna tudo. Do alto ao baixo, do norte ao sul. Assim, Francisco prega aos homens, como às plantas e aos animais. Até ao “irmão sol” e à “irmã lua” (v. supra Il Cântico del Sole). Há uma noção de irmandade entre todos os seres vivos. Francisco introduz a noção de uma ecologia metafísica em que o homem é apenas outra parte do mesmo cosmos.
Os bens materiais afastam-nos do nosso semelhante e da contemplação da beleza da criação. Francisco prega apaixonadamente a pobreza, no arrebatamento da palavra de Cristo: “larga tudo e segue-me!”. Também nisto Francisco é um homem do seu tempo em que se questiona a riqueza do clero e a apetência da igreja pelas riquezas e poder temporal. Esta questão está especialmente viva na Itália do século XII em que os Estados Pontifícios lutam para afirmar o poder temporal do papa.
Perante este problema Francisco afirma a opção preferencial pelos pobres, inaugurando uma questão que há de acender vivos debates no seio da igreja católica e que está ainda hoje muito longe de estar resolvida.
A pobreza franciscana não deve ser entendida como um ascetismo mortificante, mas mais com a busca de uma vivência “natural”. Da mesma forma que plantas e animais nada possuem – e como tal nada os afasta da contemplação e alegria de viver – o homem que renuncia aos bens do mundo entra num estado de despreocupação. Sabendo-se nas mãos de deus, o homem está mais perto da verdade.
Francisco propõe-nos como modelo de vida a imitação de Cristo. O seu empenhamento nesta via é simbolicamente confirmado pelos estigmas – imagem da terna e profunda oferta / sacríficio do Cristo – que é o primeiro cristão a receber e que serão, daqui em diante, um dos mais poderosos símbolos de santidade.
Reencontramos nos ensinamentos de Francisco uma visão da condição humana, reconduzida ao seu estado natural, na sua íntima e emocional ligação ao divino. O homem é uma pequena parte de uma ideia perfeita.


A propósito:

Sabatier, Paul – Life of Saint Francis of Assisi – disponibilizado pelo Projecto Gutenberg
e a imprescindível Wikipedia
Quadro de Giovanni Bellini - St Francis in Ecstasy (1480-85) disponibilizada por Web Gallery of Art

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