Com efeito, que outra coisa aprendi dos mestres que escutei, dos filósofos que li, das sociedades que visitei e desta própria ciência de que o Ocidente extrai o seu orgulho senão fragmentos de lições que, unidos uns aos outros, reconstituem a meditação do Buda junto da árvore?
Todo o esforço para compreender destrói o objecto pelo qual nos tínhamos interessado, em proveito de um objecto de natureza diversa; exige da nossa parte um novo esforço que o elimina, em proveito de um terceiro, e assim por diante até que tenhamos acesso à única presença duradoura que é aquela em que se desvanece a distinção entre o sentido e a ausência de sentido: a mesma de onde partíramos. Eis que já são decorridos 2500 anos anos desde que os homens descobriram e formularam essas verdades. Desde então, nada descobrimos, a não ser - experimentando, umas após outras, todas as portas de saída - outras tantas demonstrações suplementares da conclusão à qual teríamos querido escapar. (...)
Essa grande religião do não-saber não se baseia na nossa deficiência em compreender. Atesta a nossa aptidão, eleva-nos até ao ponto em que descobrimos a verdade, sob a forma de uma exclusão mútua do ser e do conhecer. Por meio de uma audácia suplementar, ela - tal como o marxismo - reconduziu o problema metafísico ao da conduta humana.(...)
Entre a crítica marxista que liberta o homem das primeiras cadeias - ensinando-lhe que o sentido aparente da sua condição se desvanece desde que ele aceite ampliar o objecto que considera - e a crítica budista que completa a libertação não há nem oposição nem contradição. Cada uma faz o mesmo que a outra a um nível diferente. A passagem entre os dois extremos é garantida por todos os progressos do conhecimento, que um movimento de pensamento indissolúvel, que vai de Oriente a Ocidente e se deslocou de um para outro - talvez apenas para confirmar a sua origem - , permitiu à humanidade permitiu à humanidade realizar no espaço de dois milénios. Assim como as crenças e superstições se dissolvem quando se encaram as relações reais entre os homens, a moral cede à história, as formas fluídas dão lugar às estruturas e a criação ao nada.(...)
Ao deslocar-se nos seus limites, o homem transporta consigo todas as posições que já ocupou e todas as que ocupará. Está simultâneamente em toda a parte; é uma multidão que avança de frente, recapitulando em cada instante uma totalidade de etapas. Pois vivemos em vários mundos, cada um mais verdadeiro do que aquele que ele contém e ele próprio falso em relação àquele que o engloba. Uns conhecem-se pela acção, outros vivem-se, pensado-os, mas a contradição aparente, que resulta da sua coexistência, resolve-se no constrangimento que sentimos reconhecer um sentido aos mais próximos e recusá-lo aos mais distantes; quando a verdade consiste numa dilatação progressiva do sentido, mas em ordem inversa e exagerada até à explosão.
(...) A contradição permanece apenas quando isola os extremos; para que serve agir, se o pensamento que orienta a acção conduz à descoberta da ausência de sentido? Mas essa descoberta não é imediatamente acessível: é preciso que eu a pensa e não posso pensá-la de uma só vez. Que as etapas sejam doze, como na Boddhi, que sejam mais ou menos numerosas, existem todas ao mesmo tempo e, para alcançar o fim, sou perpétuamente solicitado a viver situações, cada uma das quais exige algo de mim: estou obrigado aos homens como estou ao conhecimento. A história, a política, o universo económico e social, o mundo físico e o próprio céu cercam-me de círculos concêntricos dos quais não me posso evadir pelo pensamento sem conceder a cada um deles uma parcela da minha pessoa. (...)
Tal como o indivíduo não está só no grupo e cada sociedade não está só entre as outras, o homem não está só no universo. Assim que o arco-íris das culturas humanas tiver acabado de afundar-se no vazio cavado pelo nosso furor; enquanto estivermos presentes e existir um mundo - esse arco ténue que nos une ao inacessível permanecerá: mostrando a via inversa à da nossa escravidão e da qual, na falta de a percorrermos, a contemplação proporciona ao homem o única favor que ele sabe merecer: suspender a marcha, reter o impulso que o obriga a tapar, uma após outra, as fendas abertas no muro da necessidade e a concluir a sua obra, ao mesmo tempo que abandona a sua prisão; esse favor que toda a sociedade ambiciona, quaisquer que sejam as suas crenças, o seu regime político e o seu nível de civilização; onde ela situa o seu ócio, o seu prazer, repouso e liberdade; oportunidade fundamental para a vida, de se desligar, e que consiste - adeus, selvagens! adeus, viagens! - durante os breves intervalos em que a nossa espécie suporta interromper a sua faina de colmeia em captar a essência do que ela foi e continua a ser, aquém do pensamento e além da sociedade: na contemplação de um mineral mais belo que todas as nossas obras; no perfume mais sábio que os nossos livros, respirado no âmago de um lírio; ou no piscar de olhos, cheio de paciência, serenidade e perdão recíproco que um entendimento involuntário permite,por vezes, trocar com um gato.
Entre a crítica marxista que liberta o homem das primeiras cadeias - ensinando-lhe que o sentido aparente da sua condição se desvanece desde que ele aceite ampliar o objecto que considera - e a crítica budista que completa a libertação não há nem oposição nem contradição. Cada uma faz o mesmo que a outra a um nível diferente. A passagem entre os dois extremos é garantida por todos os progressos do conhecimento, que um movimento de pensamento indissolúvel, que vai de Oriente a Ocidente e se deslocou de um para outro - talvez apenas para confirmar a sua origem - , permitiu à humanidade permitiu à humanidade realizar no espaço de dois milénios. Assim como as crenças e superstições se dissolvem quando se encaram as relações reais entre os homens, a moral cede à história, as formas fluídas dão lugar às estruturas e a criação ao nada.(...)
Ao deslocar-se nos seus limites, o homem transporta consigo todas as posições que já ocupou e todas as que ocupará. Está simultâneamente em toda a parte; é uma multidão que avança de frente, recapitulando em cada instante uma totalidade de etapas. Pois vivemos em vários mundos, cada um mais verdadeiro do que aquele que ele contém e ele próprio falso em relação àquele que o engloba. Uns conhecem-se pela acção, outros vivem-se, pensado-os, mas a contradição aparente, que resulta da sua coexistência, resolve-se no constrangimento que sentimos reconhecer um sentido aos mais próximos e recusá-lo aos mais distantes; quando a verdade consiste numa dilatação progressiva do sentido, mas em ordem inversa e exagerada até à explosão.
(...) A contradição permanece apenas quando isola os extremos; para que serve agir, se o pensamento que orienta a acção conduz à descoberta da ausência de sentido? Mas essa descoberta não é imediatamente acessível: é preciso que eu a pensa e não posso pensá-la de uma só vez. Que as etapas sejam doze, como na Boddhi, que sejam mais ou menos numerosas, existem todas ao mesmo tempo e, para alcançar o fim, sou perpétuamente solicitado a viver situações, cada uma das quais exige algo de mim: estou obrigado aos homens como estou ao conhecimento. A história, a política, o universo económico e social, o mundo físico e o próprio céu cercam-me de círculos concêntricos dos quais não me posso evadir pelo pensamento sem conceder a cada um deles uma parcela da minha pessoa. (...)
Tal como o indivíduo não está só no grupo e cada sociedade não está só entre as outras, o homem não está só no universo. Assim que o arco-íris das culturas humanas tiver acabado de afundar-se no vazio cavado pelo nosso furor; enquanto estivermos presentes e existir um mundo - esse arco ténue que nos une ao inacessível permanecerá: mostrando a via inversa à da nossa escravidão e da qual, na falta de a percorrermos, a contemplação proporciona ao homem o única favor que ele sabe merecer: suspender a marcha, reter o impulso que o obriga a tapar, uma após outra, as fendas abertas no muro da necessidade e a concluir a sua obra, ao mesmo tempo que abandona a sua prisão; esse favor que toda a sociedade ambiciona, quaisquer que sejam as suas crenças, o seu regime político e o seu nível de civilização; onde ela situa o seu ócio, o seu prazer, repouso e liberdade; oportunidade fundamental para a vida, de se desligar, e que consiste - adeus, selvagens! adeus, viagens! - durante os breves intervalos em que a nossa espécie suporta interromper a sua faina de colmeia em captar a essência do que ela foi e continua a ser, aquém do pensamento e além da sociedade: na contemplação de um mineral mais belo que todas as nossas obras; no perfume mais sábio que os nossos livros, respirado no âmago de um lírio; ou no piscar de olhos, cheio de paciência, serenidade e perdão recíproco que um entendimento involuntário permite,por vezes, trocar com um gato.
Claude Lévi-Strauss
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